|
Fig 1. O bóson de Higgs, representado pela esfera vermelha, é descrito por uma oscilação de potencial em um sistema bidimensional. [Imagem: MPQ/Quantum Many-Body Division] |
Escalas diferentes
Esqueça um pouco o LHC e a festa feita há poucos dias para anunciar a descoberta de um bóson do tipo Higgs.
Agora, uma equipe de físicos da Alemanha e dos Estados Unidos acaba de anunciar uma descoberta similar - um bóson do tipo Higgs.
Se o achado é similar, contudo, as técnicas utilizadas são radicalmente diferentes.
O LHC, que é maior experimento científico da história, com um túnel de 27 km na fronteira entre a Suíça e França, custou US$8 bilhões e foi projetado para operar a até 14 tera-elétron volts (TeV) - por problemas técnicos, hoje ele funciona a apenas 8 TeV.
Manuel Endres e seus colegas do Instituto Max Planck, por outro lado, encontraram as excitações do tipo Higgs na transição entre diferentes fases da matéria, em um sistema de átomos ultrafrios, próximos ao zero absoluto, em um equipamento do tamanho de uma mesa.
De fato, o que realmente separa os dois experimentos é a escala - não apenas a dimensão, mas principalmente a escala de energia.
Enquanto as experiências do LHC são executadas nas energias mais altas que se pode alcançar, o novo experimento foi realizado nas menores faixas de energia possíveis.
Pondo em números, os experimentos do LHC são realizados em energias 12 ordens de grandeza maiores do que as energias típicas à temperatura ambiente; o novo experimento foi realizado em uma magnitude 11 ordens de grandeza menores do que as energias típicas à temperatura ambiente.
Campo de Higgs
No novo experimento, um material magnético foi resfriado abaixo da temperatura Curie, desenvolvendo uma "ordem global", a seguir excitada para produzir uma oscilação coletiva, na qual todas as partículas se movem de forma coordenada.
Se o comportamento coletivo das partículas segue as regras da relatividade, pode-se desenvolver um tipo especial de oscilação, a chamada excitação de Higgs.
Esse campo é fundamental para o modelo padrão das partículas elementares, onde ele é chamado de bóson de Higgs.
Em tese, sistemas sólidos também podem apresentar excitações de Higgs, desde que o movimento coletivo das suas partículas sigam regras similares às da teoria da relatividade.
O experimento começou com o resfriamento de átomos de rubídio até temperaturas próximas ao zero absoluto.
Eles foram a seguir injetados em uma rede óptica bidimensional, parecida com um tabuleiro de damas, onde os quadros claros e escuros são produzidos por feixes de laser interferindo uns com os outros.
Nessas redes, os átomos ultrafrios podem assumir diversos estados da matéria. E foi nessas transições que os cientistas detectaram o bóson de Higgs.
Teoria de campo relativística efetiva
|
Fig2. Em contraste com o túnel de 27 km do LHC, o novo experimento foi realizado com uma óptica complexa, mas que cabe sobre uma mesa. [Imagem: MPQ/Quantum Many-Body Division] |
Em redes ópticas muito intensas - o que significa um contraste muito forte entre os espaços escuros e as áreas brilhantes -, desenvolve-se um estado altamente ordenado, chamado isolante de Mott.
Neste estado, cada quadro da rede é ocupado por exatamente um átomo, que fica fixo no lugar. Se a intensidade da rede for diminuída continuamente, ocorre uma transição de fase para um superfluido.
Em um superfluido, todos os átomos são parte de um único campo, que se estende ao longo de toda a rede, com o movimento coletivo do sistema sendo descrito por uma onda quântica estendida.
A dinâmica desse campo quântico segue as leis da chamada "teoria de campo relativística efetiva", na qual a velocidade da luz é substituída pela velocidade do som.
Finalmente, quando o sistema é forçado para fora do seu equilíbrio, são geradas oscilações coletivas na forma de excitações de Higgs.
A existência de excitações de Higgs em sistemas desse tipo tem sido alvo de intensos debates entre os físicos teóricos.
"Nós detectamos um fenômeno que, atualmente, não pode ser calculado precisamente. Isto torna nossa observação experimental ainda mais importante," conclui Manuel Endres, principal idealizador do experimento.
Como comparar o bóson de Higgs do LHC com o "novo" bóson de Higgs?
É muito difícil comparar os dois resultados, a partícula tipo Higgs encontrada pelo LHC, e a excitação de campo tipo Higgs encontrada na transição de fases do sistema ultrafrio.
É uma situação, de resto muito comum na física, onde o mesmo conceito teórico é usado para descrever diferentes sistemas físicos.
Pense, por exemplo, no conceito de onda.
O movimento coletivo de partículas é descrito por "equações de onda" em situações físicas muito diferentes, que podem ser as ondas na água, ondas de som no ar ou em sólidos, ou ondas eletromagnéticas.
Na descrição teórica desses sistemas, as "ondas" aparecem como um conceito comum. No entanto, os sistemas são muito diferentes e a descrição teórica de cada um pode ter diferentes níveis de complexidade - ondas eletromagnéticas são muito mais complicadas do que ondas de som.
Da mesma forma que pode haver ondas em todos esses sistemas, bósons de Higgs podem aparecer em situações muito diferentes (Fig. 3).
|
Fig 3. A principal distinção entre os dois experimentos é a escala de energia utilizada. [Imagem: Manuel Endres] |
O experimento agora realizado na Alemanha é o mais simples que permite o surgimento de uma excitação do tipo Higgs. Ele pode, portanto, ser considerado como um sistema modelo. A descrição da física que está sendo feita no LHC é muito mais complexa.
Um aspecto importante é que o Higgs do LHC e o Higgs do sistema ultrafrio aparecem em escalas de energia muito diferentes.
No entanto, em ambos os casos, a descrição teórica é semelhante.
Assim, é como comparar as ondas gigantescas no oceano com ondas que você consegue fazer em um copo d'água. A física é semelhante, mas as escalas de energia são totalmente diferentes.
_______
Bibliografia:
The 'Higgs' amplitude mode at the two-dimensional superfluid/Mott insulator transition.
Manuel Endres, Takeshi Fukuhara, David Pekker, Marc Cheneau, Peter Schaub, Christian Gross, Eugene Demler, Stefan Kuhr, Immanuel Bloch
Nature
Vol.: 487 (7408): 454
DOI: 10.1038/nature11255
Fonte da redação e figuras: